terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Laura na França. Das Seringas à Bomba!!!!

Laura na França. Das seringas à bomba Pra honrar minha presença aqui, queria começar contando um pouco sobre o diagnóstico da Laura e como administramos isso no nosso dia-a-dia aqui na França.
O diagnóstico dela foi clássico: poliuria e polidipsia (excesso de urina e de sede). No mais, como era inverno, não dava pra negar o quanto ela bebia de agua em excesso.

Era um pedacinho de gente, de 2 anos e 9 meses.

Apesar do clássico, esperei umas 24h pra ver se durava e mais 24h pra fazer a glicemia de jejum. Hiperglicemia de jejum confirmada (356), numa terça pela manha, deixei-a na creche assim mesmo, pra poder acalmar um pouco, telefonar um pouco pra nao sei quem, pra saber o que fazer.

A pediatra pediu para vê-la mais tarde... Ou seja, esperando e esperando, acabamos chegando no hospital com mais de 500 de glicemia e cetose, o que justificou 24h de cuidados intensivos, insulina intra venosa... 3 anos depois, achei que conseguiria falar disso mais tranquilamente, mas sinto ainda a emoção. é inegável que seja um divisor de águas na vida da gente. Nunca, nunca mais a vida vai ser a mesma. Não estou dizendo que é um drama, mas muda tudo. E não vou ser fantasiosa dizendo que muda para melhor.
Então... nos aqui na França. Paris. Me mandaram para um hospital que acabou a transferindo para um outro de referência em pediatria, aonde são varios hospitais em um, separados por especialidade em prédios diferentes. Como ela era muito pequena, os dois pais médicos, o médico que foi atribuido para ela foi o chefe do serviço, quase aposentando, mais de 60 anos, mais de 30 de experiência no diabetes infantil, gentil. Isso deu uma certa segurança, pelo menos ela estava em boas maos. 

Meu reflexo imediato foi: estou longe de ser "diabeto" (é como chamam endocrino especializado em diabetes aqui). O pai, médico, DM1 também, nao entende nada de diabetes infantil. Entao, ainda que tenhamos mais conhecimentos médicos que a maioria dos pais, estamos no lugar de pacientes e assim vamos nos comportar. Nao queria intervir muito, "ensinar para o especialista".
E assim foi. Nao por muito tempo.
Saimos do hospital com seringas e agulhas, frascos de insulina. Muito dificil de ela aceitar as injeçoes nos primeiros meses. Muito dificil pra mim de viver essa reaçao dela e de aceitar todas as limitaçoes.
O médico que tratou dela nos 2 primeiros anos de diabetes so tinha uma filha, que ja tinha mais de 30 anos. Na casa dele, nao existia doce, biscoito. Ele nao conseguia entender por que nao podiamos cortar isso.
Ai veio rapidamente a noçao que eu deveria me adaptar a uma vida, para ela e para nos, cheia de restriçoes. Era insulina rapida e insulina lenta 2 vezes ao dia. A rapida cobria entao o café da manha e o jantar, e a lenta cobria o almoço, na hora do pico de açao. E a da noite fazia seu pico sozinha durante a madrugada. 

Entao, escravidao numero 1: almoçar no horario do pico da lenta. Escravidao numero 2: monitorizar o pico da lenta à noite (so que nessa época eu ainda nao sabia realmente o que poderia significar, so sabia que deveria haver um minimo de glicemia às 23h pra evitar hipo à noite. Numero 3: uma lenta que cobre 12h, precisa de 2 injeçoes por dia, e essas injeçoes têm um limite de tempo entre elas, a ser respeitado. Consequentemente, as refeiçoes também têm horas fixas. Dia ou noite, férias ou nao, fim-de-semana ou nao. Escravidao numero 4: as doses de insulina eram fixas, calculadas pelas necessidades para crianças da idade e sexo dela. Conclusao: a composiçao das refeiçoes dela era fixa. 

Ela deveria comer sempre a mesma quantidade de carboidratos (CHO) para cada refeiçao. Com fome ou nao, vontade ou nao, doente ou nao, ocupada ou nao, em casa ou na casa dos outros, em férias ou nao. Esse ai é complexo, porque cientificamente, é evidente que existem definiçoes nutricionais ideais para o crescimento da criança. Numero 5: a atividade fisica, tao variada nessa idade, tao imprevisivel. Quando a gente sai dar uma volta com o cachorro, a gente da uma volta tranquila, ou encontra uma amiguinha e corre como uma louca? Esse detalhe muda tudo.

O problema disso tudo é que eu nao sou nada rigida. Quer dizer, sou séria com tudo o que tem que ser sério, mas com o que pode, gosto de ser mais relax. Mas com diabetes nao pode. E nesse esquema, meu amigo, nao pode de jeito nenhum. 15 minutos de atraso podem significar uma hipoglicemia. 20g a mais de CHO, uma hiper.
Mas... Mas tinha a lua-de-mel, que ajudava muito no começo a evitar essas hiper e hipos. Tinha o fato de essa matematica nao ser nada tao certinha. As horas dos picos e a dose absorvida nao eram tao precisas. Uma mesma porçao de CHO nao tem sempre a mesma reposta, para uma mesma dose.
Tinha o cansaço que começou a bater, de nunca mais poder dormir até mais tarde nos fins-de-semana. Do stress da historia que virou fazer as injeçoes. Dos projetos antigos, de uma vida tranquila, de uma criança livre, que cresce e vai ficando autônoma, vai dormir na casa das amiguinhas.

Tinha o medo. Das hipos nao diagnosticadas e fora de casa. Das hipers. Na época inventei um acrônimo: FMC = fantasma da microcirculaçao. Porque a grande maioria das complicaçoes (ou todas?) vêm dos danos crônicos que a hiperglicemia causa na microcirculaçao (da retina, dos rins, do coraçao, das pernas, etc). Fiquei pensando que a cada hiper eu ia pensar que estava aumentando as possibilidades que grande, minha filha tivesse as famosas complicaçoes.

Vi estatisticas que me tranquilizaram um pouco. As crianças diabéticas desses ultimos anos nao têm mais a incidência de complicaçoes que aquelas que tiveram o diagnostico ha varios anos.
De qualquer forma, integrei bem que por mais que controlemos, diabéticos têm hipers e hipos. Acabei até esquecendo meu acrônimo. Mas nao o sentimento. Demorou pra eu entrar nas redes sociais. Foi até uma festa de formatura da minha turma da faculdade que me forçou a frequentar mais o Facebook. Acabei entrando nos grupos de diabetes. Vantagens e inconvenientes, nunca mais sai desse meio, porque para mim, as vantagens superam enormemente as desvantagens. 

Conheci muita gente, muita troca, muita técnica, muita coisa que eu nao conhecia. E isso me permitiu, depois de muito tempo, me interrogar sobre algumas coisas. Porque foi no Brasil que me mostraram que existem outras possibilidades para o tratamento.

No começo eu estava firme no meu principio de confiar no professor doutor chefe do serviço e presidente da AJD. Eu nem ouvia direito as pessoas, me sentia até incomodada com opinioes muito incisivas de "leigos" no tratamento da minha filha, no primeiro mundo, no serviço do senhor professor doutor chefe etc. Mas uma coisa falou alto: as glicadas. A Laura foi diagnosticada com 9.7, passou pra 6.6 e dai so aumentou, até alcançar 8.7. Além disso, teve convulsoes à noite. Essas crianças que eu via no Face, filhos dessas maes "que ousavam" questionar o tratamento do meu Dr, tinham uma glicada muito melhor que a Laura e pareciam ter mais liberdade na alimentaçao que ela.

Comecei a ler mais, procurar mais, perguntar mais. O Dr sempre tinhas otimas estatisticas pra justificar a conduta dele. Ele até aceitou enfim de colocar a bomba. Mas eu nem sabia o que ele ia fazer, ele continuou a usar o esquema de doses fixas com a bomba. Entao, uma basal por dia e um bolus fixo para cada refeiçao. Continuei a procurar, até achar uma mae, dessa vez da França, que estava morando na Alemanha, e que teve a mudança radical no tratamento quando mudou de pais e descobriu que diabete nao precisava rimar com escravidao. Principalmente porque o filho dela era adolescente e tudo o que ele nao queria era limite demais.

Fui procurando até achar uma referência de alguém que fazia isso aqui em Paris. Mas problema: aqui nao se muda assim de serviço. Ja tinhamos um hospital, o que eu queria ja estava sobrecarregado. Por que mudar de serviço? So com indicaçao de um médico. Ok, ser médica seria entao util. Eu mesma escrevi uma carta diretamente a uma das médicas conhecidas aqui por fazer insulinoterapia funcional (o significado simples disso é a contagem de CHO, ou seja, dose de insulina proporcional ao que você come e nao comer proporcionalmente à uma dose pré-determinada de insulina).

A médica mandou marcarem um horario comigo, fomos e aqui estamos hoje, praticando a insulinoterapia funcional com a bomba, com muito mais liberdade, muito menos frustraçao, e o mais importante: uma glicada que esta abaixando. Devagar mas abaixando. No fim das contas, nem é uma questao de confiança no médico, mas de opçao. A técnica dele é boa, nao tenho duvida. Mas boa para quem tem um estilo de vida que se adapta a ela. O problema é que em geral, nao nos apresentam opçoes, mas você "se casa" com a técnica do hospital que você caiu na hora do diagnostico. Caiu porque num momento desse você nao tem como escolher nada disso. Esse caminho para mim durou 2 anos, tem gente que vai muito mais rapido, ou tem gente que fica, por nao saber ou por escolha. O importante é pode escolher!
Mas aqui na França uma criança com diagnostico de diabetes sempre é internada, minimo de 10 dias, para a educaçao terapêutica. Sei que nao é o mesmo contexto no Brasil. Mas ainda assim, existe a "escolha da técnica", poder escolher, saber qual caminho se adapta à vida de cada um. Novesfora, claro, toas as limitaçoes politico-sociais... aqui um diabético tem cobertura de 100%, bomba ou nao. E ninguém tem que provar nada pra ter o tratamento, nem esperar, nem fazer fila, nem suplicar, nem de advogado...





Mas isso é tudo uma outra historia


Por Yara Rezende.

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